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Educação Infantil: pesquisa aponta falta de estrutura e de qualidade do ensino no país

Por 20 de janeiro de 2023 Sem comentários

Diálogos sobre a Educação: três dias de debates promovidos pela Organização de Estados Iberoamericanos no Brasil (OEI) levantam propostas e dados sobre Educação Infantil, Bilinguismo e Interculturalidade

 

Especialistas e autoridades em Educação estiveram no último mês de dezembro em Brasília – DF para discutir rumos, dados e políticas a adotar em áreas como Primeira Educação e Governança. Organizado pela OEI – Organização de Estados Iberoamericanos no Brasil, o evento Diálogos sobre a Educação foi transmitido simultaneamente pelo canal da entidade no YouTube e já em seu primeiro dia apresentou dados relevantes de sua pesquisa inédita Primeiros Anos, que ouviu profissionais de 10 municípios brasileiros, das 5 regiões do país, sobre as condições de infraestrutura, gestão e desenvolvimento aplicadas no dia a dia da Educação Infantil.

Em um painel anterior ao da apresentação dos dados da pesquisa, o pediatra Daniel Becker ofereceu ao público do evento um panorama dos danos causados pela pandemia de Covid-19 às crianças. “Não estamos bem no Brasil, no quesito de como tratamos nossas crianças, cujos direitos são negados diariamente. As crianças tiveram fatores de stress tóxico na pandemia. Ambiente carregado, perda do convívio social, excesso de telas, falta de ar livre, da natureza, aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e fechamento das escolas – tudo isso foi parte de uma grande tragédia no funcionamento da sociedade.”, disse Becker, apontando também que as escolas são territórios de amor, afeto e troca, um lugar no qual as crianças aprendem a socializar.

Para o ano letivo que começa, Becker lembrou da importância da qualidade de vida não apenas dos estudantes, mas de professores e gestores, após essa crise da escola na pandemia. Investimentos em infraestrutura, maior uso das atividades ao ar livre, vacinação e seus protocolos são elementos que ajudarão nesse retorno e no combate ao adoecimento emocional pelo qual ainda muitas pessoas passam. Becker mostrou dados que revelam crianças mais agressivas, com ansiedade e depressão. “É preciso cuidado e reparação. Usar espaço livre, brincadeiras, recreios, hortas e quintais. Os professores também precisam de autocuidado, atividade física, boa alimentação, reduzir telas e ar livre. O trabalho dos gestores precisa ter um cuidado voltado a tudo isso – além de promover transformações, capacitar seus professores, ensinando a eles habilidades socioemocionais, renovar metodologias. Ensinar as crianças a gostarem de aprender, para que elas façam da escola um lugar útil.”.

Primeiros Anos

A apresentação da segunda fase da pesquisa da OEI trouxe um conjunto relevante de dados que, muitas vezes, são apresentados como fatias de um todo representado pelo Ensino Fundamental – o que não retrata sua real situação. A primeira constatação, portanto, é que a Educação Infantil no Brasil quase não tem dados regulares para que haja dados a comparar.

A coleta de dados primários da pesquisa levou em conta a taxa de cobertura de creches de 0 a 3 anos em cidades com 20 a 500 mil habitantes, levando em conta o índice de infraestrutura – com materiais e espaços das escolas – e de gestão, como práticas pedagógicas, formação e qualificação profissional e disponibilidade de materiais, livros e brinquedos.

Um dos dados de maior preocupação é o de que a maioria dos municípios não tem a infraestrutura necessária para atender a população infantil. Segundo a Dra. Palloma Marciano, pesquisadora do Eixo de Estatística e uma das organizadoras deste estudo, “Há uma complexidade que existe pelas burocracias. É baixo o índice de complexidade de escolas que oferecem gestão para a Primeira Educação.”. Outro dado alarmante é o de que nesta amostragem foi apontado que 45% das diretoras das escolas de Educação Infantil assumiram seus cargos por indicações políticas e 61,36% não pretendem continuar no cargo.

Dentro do eixo pedagógico, apresentado por Caroline Vissotto, Mestra em Educação, o que vemos é que as questões básicas não estão sendo proporcionadas. Em média, 60,5% das escolas não têm brinquedos suficientes, o que impacta na falta de qualidade das práticas. A formação docente tem tido avanços, mas é preciso melhorar a formação adequada em nível superior para todos os profissionais; essa questão mostra uma insuficiência nas estratégias de aprendizagem. “É preciso reforçar a política pública de valorização profissional. O cuidar e o educar acabam sendo dissociados e é preciso reforçar esse elo, além de propor interações e brincadeiras de maior qualidade, pensando que a criança interage a partir dessa brincadeira.”, diz Caroline.

Na parte de infraestrutura, a Mestra em Arquitetura Beatriz Goulart destacou a dificuldade de acesso e produção de documentação, pelo desconhecimento de parâmetros de infraestrutura para garantir a qualidade da educação infantil. “A concepção de infraestrutura está desprezando o potencial, pouco considerando a importância dos espaços livres. Crianças estão “exiladas” em carteiras; áreas livres que estão equipadas não estão adequadas, ainda existe muito controle e limite do tempo de permanência das crianças ao ar livre. Metade dos locais que têm hortas e pomares não praticam a compostagem ou separação de lixo, reuso de água, uso da energia solar.”.

Como sugestão de melhorias, Beatriz reforça a importância da participação da comunidade escolar nos processos de reforma, ampliação e novas obras. “Arquitetos e engenheiros não participam das formações da pedagogia, o que é algo muito grave observado nesse pequeno recorte. É preciso rever e ampliar a concepção de infraestrutura para além da materialidade, considerando o espaço livre. É preciso incluir a participação de todos nas escolhas.”.

A pesquisa da OEI ouviu 193 diretores, 973 professores e 552 auxiliares de 224 unidades escolares dos 10 territórios que participaram da pesquisa: na Região Sudeste, as cidades de Lagoa Santa (MG) e Itapevi (SP); no Sul, Canoas (RS) e Esteio (RS); na Região Norte os municípios de Araguaína (TO) e Novo Aripuanã (AM); na Região Nordeste, Belo Jardim (PE) e Maracanaú (CE); e no Centro Oeste,  Planaltina (GO) e Três Lagoas (MS).

Com a grande maioria do corpo gestor pré-escolar formado por mulheres, a pesquisa aferiu que 90% das professoras de creche e pré-escola têm nível superior, com 85,6% formadas em Pedagogia. Este índice cai drasticamente entre os auxiliares, com apenas 28% formados com Ensino Superior.

Panorama da Educação: entrevista exclusiva com Raphael Callou, diretor e chefe da representação da OEI no Brasil

 

Qual o balanço desses três dias de evento para a OEI?

 

RC –  Foram mais de mil pessoas acompanhando os três dias de eventos do Diálogos sobre a Educação, o que por sua vez já demonstra o interesse pelos temas abordados e a relevância dos conferencistas que participaram da programação. Pudemos debater a Educação Infantil, a interculturalidade na educação e o tema da governança. Tudo isso com mais de 80 especialistas dedicados a esse debate, promovendo esses temas na condição de centralidade no panorama da educação no país. Avaliamos como muito positivo.

Nós iniciamos o evento com o tema da Primeira Infância, com alguns dos resultados da pesquisa que vem sendo desenvolvida pela OEI e que aplicou mais de 5 mil questionários, além do anúncio dos cursos livres oferecidos pela OEI por meio digital e completamente gratuitos, disponíveis no site do projeto “primeirosanos.org.br”, além da apresentação do “Selo Primeiros Anos” que carrega o propósito de constituir uma rede de municípios no Brasil com foco na Educação Infantil, entre tantas ações também vinculadas a esse tema e que nós tivemos a oportunidade de compartilhar durante o evento.

Tivemos também uma participação incrível do professor José Pacheco, que tenho certeza que inspirou muita gente, com um depoimento emocionante do compromisso com uma educação inclusiva, equitativa, de qualidade. Também tivemos a participação do professor Gilvan Muller e da professora Rosângela Morello, que apresentaram algumas das ações que temos desenvolvido na OEI no campo do bilinguismo, do multilinguismo e da interculturalidade. E, igualmente importante, a presença ilustre do ex-ministro da Educação de Portugal, Nuno Crato, com uma apresentação estupenda com foco nas avaliações e nas políticas públicas baseadas em evidências.

No último dia do Diálogos sobre a Educação lançamos uma coletânea sobre o tema da Governança na Educação, com a coordenação do ex-ministro da Educação José Henrique Paim, do professor Francisco Gaetani e do ministro do TCU Benjamin Zymler, contando com a participação de diversos articulistas que contribuíram com a elaboração dos livros.

 

Vimos pontos de vista diferentes em múltiplas discussões sobre o futuro da educação. Para a OEI, como aproveitar a expertise dos países ibero-americanos nas ações a partir de 2023?

 

RC – Entendemos que é importante buscar por alternativas e respostas aos desafios postos na educação brasileira a partir de realidades que nos sejam mais assemelhadas. É importante olhar para Singapura, Finlândia e Coreia do Sul observando trajetórias e ações realizadas nesses países. Contudo, ainda mais relevante é observar essa dinâmica nos países que compartilham de realidades históricas e sociais mais próximas daquelas com as quais convivemos no Brasil. E é aí que a região ibero-americana tem muito a contribuir.

A trajetória de Portugal, com suas reformas educativas em períodos de grande frustração orçamentária, tem muito a oferecer de insumos para a realidade brasileira – em que os recursos estão cada vez mais escassos. O desenvolvimento das competências linguísticas no Peru também serve de inspiração, com avanços em exames padronizados internacionais nessa área.

Aprender com erros e acertos, certamente, reduz o tamanho dos esforços que teremos que empenhar para a superação dos desafios educativos no Brasil.

Um dos grandes fatores que atrasam a evolução da educação infantil no Brasil é a condição precária de vida de boa parte da população, com a falta de transporte, de internet e o grande aumento da fome, principalmente após a pandemia. Quais ações a OEI propõe ou apoia para mudar esse panorama?

 

RC – A Educação Infantil é o primeiro degrau da desigualdade educacional no Brasil. O quintil mais rico da população já tem mais de 50% de atendimento às crianças em idade de creche. Enquanto isso, a parcela mais pobre da população se vê apartada desse direito, com uma taxa de atendimento menor que 25%.

Investir na Educação Infantil beneficia não somente as crianças pequenas que são o alvo principal da política pública, mas toda a sociedade brasileira. Emancipa homens e mulheres, que podem passar a trabalhar e gerar renda enquanto seus filhos estão em segurança na rede educativa; contribui para diversos indicadores, tanto de saúde ao longo da vida como também dentro do próprio itinerário formativo.

Portanto, investir na Educação Infantil deve ser estratégia para a superação das desigualdades no Brasil, como forte aliada para um futuro mais inclusivo e com mais equidade no país. E a OEI, por sua vez, tem investido maciçamente em pesquisas para auxiliar nas políticas públicas brasileiras nessa área: apoiando aquilo que tem base em evidências e difundindo boas práticas.

A pesquisa recente da OEI, parte do projeto “Primeiros Anos” e que está em fase final de elaboração, traça um panorama da qualidade da oferta da Educação Infantil no Brasil. Por meio da pesquisa conseguiremos indicar alguns dos principais fatores que contribuem com a melhoria da Educação Infantil nos municípios brasileiros, apontando possibilidades para aperfeiçoamento na oferta e na qualidade.

 

Maria Fernanda Menezes, de Brasília.

 

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